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O TRABALHO INFANTIL E A PROTEÇÃO JURÍDICA À CRIANÇA: AS CONTRADIÇÕES ENTRE O LEGISLADO E A REALIDADE

  • Foto do escritor: Manoel Cipriano
    Manoel Cipriano
  • 15 de jun. de 2023
  • 8 min de leitura

Manoel Cipriano[1]

14/05/2023

SUMÁRIO: 1. Conceituando e delimitando o tema. 2. Trabalho infantil: aspectos históricos e atualidade no mundo e no brasil. 3. A proteção jurídica contra o trabalho infantil. 4. A efetividade das garantias jurídicas de proteção contra o trabalho infantil. 5. Considerações. 6. Referências.


1. CONCEITUANDO E DELIMITANDO O TEMA


Por trabalho infantil deve ser considerada toda e qualquer atividade desenvolvida por uma criança e que prejudique o desenvolvimento biológico, psicológico, assim como o aprendizado escolar, sendo considerado física, mental ou moralmente prejudicial ao desenvolvimento da criança. Trata-se, pois, de uma realidade com uma constante no curso histórico dos países centrais, as quais ainda se encontram presentes nas regiões pobres, de modo particular, com incidência substancial nas tarefas da agricultura; uma questão inerente à situação de pobreza dos povos e das sociedades da periferia do globo.

Neste sentido, a presente reflexão tem como escopo compreender esta situação humana em seus aspectos gerais, regionais e no âmbito da sociedade brasileira, assim como busca apontar para as consequências decorrentes da falta de efetividade da proteção jurídica a partir dos princípios constitucionais e das disposições normativas contidas na estrutura legislativa, de modo particular as disposições estabelecidas pelo estatuto da criança e do adolescente no âmbito da sociedade brasileira, esperando ser, então, uma contribuição para o debate.


2. TRABALHO INFANTIL: ASPECTOS HISTÓRICOS E ATUALIDADE NO MUNDO E NO BRASIL


Revelam os estudos que o trabalho infantil tem sido uma constante na história da humanidade, atravessando os séculos, de modo que se encontra presente desde os tempos mais remotos até os dias atuais.

O trabalho infantil não é algo novo na história da humanidade. Na Antiguidade e nas sociedades escravocratas, as crianças trabalhavam desde pequenas. Na Idade Média, o trabalho infantil era um modo de haver a complementação da renda familiar da maioria das famílias, que viviam na extrema pobreza. Essa prática ainda foi muito comum até o início do século XX [...][2]

No entanto, conforme revelam os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2016, cerca de

[...]152 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos de idade estavam sendo obrigados a trabalhar no mundo. Segundo o mesmo levantamento, 40 milhões de pessoas eram vítimas do trabalho análogo à escravidão (a chamada escravidão moderna), sendo que em torno de 10 milhões desse contingente eram menores.[3]

Assim como no mundo, no Brasil não tem sido diferente. Segundo a confirmação dos dados sobre o trabalho infantil, em 2016

[...] o Brasil tinha em torno de 1,8 milhão de crianças e adolescentes trabalhando. Desses, apenas cerca de 800 mil estavam contratados de acordo com as regras de contratação de menores em nosso país [...]; cerca de 808 mil adolescentes entre 14 e 17 anos trabalhavam sem carteira assinada; cerca de 190 mil crianças menores de 14 anos estavam trabalhando.[4]

Em relação à natureza do trabalho executado, diversas são as atividades exercidas desenvolvidas na forma de exploração do trabalho infantil.

As atividades mais comuns são o trabalho doméstico, agricultura, construção civil, lixões e tráfico de drogas.[5]

Esta é uma realidade que impulsiona as crianças para atividades diversas, as quais denigrem a formação da pessoa, uma vez que

Dentre os piores trabalhos estão aqueles realizados em locais fechados ou perigosos; a operação de máquinas ou manipulação de cargas pesadas; de materiais tóxicos ou contaminantes; em atividades que explorem a sexualidade da criança e do adolescente ou exponham esse público ao risco de abuso sexual ou físico; em atividades ilícitas ou envolvendo tráfico de drogas; o trabalho doméstico, urbano ou em cadeias produtivas, como tecelagens, construções, carvoarias, plantações, frigoríficos ou lixões; dentre outros.[6]

No Brasil, assim como no resto do mundo, a maior incidência do trabalho infantil se encontra nas regiões mais pobres, sejam estas no âmbito das unidades federativas ou nos arrabaldes dos centros urbanos.

No Brasil, o Nordeste é a região que mais apresenta exploração laboral rural infantil, cerca de 50% trabalham em fazendas e sítios, observa-se que as crianças negras são a maioria dos que são explorados nessas atividades.
Com relação aos locais onde mais ocorrem situações de trabalho infantil em meio urbano no Brasil são os estados das Regiões Sul e Sudeste, conforme os dados do IBGE, a maioria dos casos em São Paulo, Minas Gerais e Bahia. Também foi identificada a prática no Paraná, Rio de Janeiro e Santa Catarina.[1]

Os dados servem como elemento de demonstração de uma cultura que, historicamente, considera o trabalho infantil como uma atividade normal, no contraponto das garantias jurídicas contra esta forma de exploração das crianças.

O uso da mão de obra infantil no Brasil está relacionado a uma concepção histórica e cultural além de puramente econômico, pois as crianças costumam ganhar menos que os adultos. A questão cultural e histórica é expressa em falas antigas, mas usadas ainda hoje: “trabalho de criança é pouco, mas quem dispensa é louco”. Além disso o trabalho infantil está presente no imaginário popular brasileiro, o trabalho é entendido como alternativa para evitar que crianças e adolescentes ingressem no mundo do crime, dando a ela uma ocupação.2

3. A PROTEÇÃO JURÍDICA CONTRA O TRABALHO INFANTIL


Seja no âmbito da legislação internacional, assim como na ordem jurídica, o direito tem garantido proteção da criança e do adolescente contra toda a ordem de atividade ou de conduta que os coloque em situação de dano físico, psíquico ou moral.

Neste sentido, a legislação internacional de proteção à criança, orienta para a proibição e esforço para a eliminação de todas as formas de trabalho infantil, dentre as quais, a escravidão, o trabalho forçado, o tráfico de menores, a utilização em conflitos armados, na prostituição, na pornografia, no tráfico de drogas e em trabalhos insalubres ou perigosos.[7]

Neste sentido, as normas internacionais de proteção da criança e contra o trabalho infantil têm sido ratificadas pela maiorias dos países do globo, assim como tem sido adotadas normas internas com base na orientação da legislação internacional.

A maioria dos países adotou uma legislação que proíbe ou impõe severas restrições ao trabalho infantil, grande parte estimulada e orientada pela normativa adotada pela Organização Internacional do Trabalho.[8]

O ordenamento constitucional brasileiro ora em vigor estabelece os princípios de proteção à criança, assim dispondo:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.[9]

Seguindo estes princípios, a legislação infraconstitucional de proteção à criança, ao adolescente e à juventude, estabelece, dentre outras garantias, que

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem[10].

Há, portanto, uma universalização da proteção jurídica à criança na sociedade brasileira. Contudo, a efetivação destas garantias ainda não se concretizaram.


4. A EFETIVIDADE DAS GARANTIAS JURÍDICAS DE PROTEÇÃO CONTRA O TRABALHO INFANTIL


Numa leitura da legislação básica, percebe-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, tem uma estrutura que estabelece as regras de prevenção e proteção e outra parte dedicada à coibição de condutas, ou seja, a regulamentação da prática de ato infracional; o que implica dizer o conjunto de normas penais aplicáveis à criança e ao adolescente.

A primeira parte, a preventiva, contida de forma condensada nos dois primeiros capítulos, aquela que se dedica à proteção e à concretização dos direitos e garantias asseguradas à criança, de certo modo, se encontra sem correspondência efetiva das políticas públicas de oferecimento destas garantias, tendo sido negligenciada pelos órgãos públicos responsáveis pelas medidas necessárias à efetividade destas garantias.

As normas repressivas, por sua vez, encontram ressonância no aparelho repressivo estatal, de modo particular no encarceramento de crianças e adolescentes por meio da aplicação de medidas protetivas, entenda-se, aqui, o equivalente às penas aplicadas aos adultos na esfera penal. Resultado desta ação do poder público tem sido o contingente de menores recolhidos nas instituições de ressocialização, as quais, em sua estrutura física e no aparato humano, mantêm a semelhança ao sistema prisional da população carcerária adulta.[11]

Nesta perspectiva, observa-se que, no caso da legislação infraconstitucional, às crianças, adolescentes e jovens tem sido exemplar na aplicação do aparelho repressor. Contudo há uma situação de ausência das garantias dos direitos inerentes ao da pessoa em desenvolvimento, a exemplo da preservação contra toda e qualquer ação que ponha em riscos físicos, psicológicos ou morais, assim como das condições necessárias a uma vida digna, a exemplo à convivência familiar, à moradia, à educação plena, dentre outras.


5. CONSIDERAÇÕES


O ser criança expressa uma fase da vida em que se efetivam os fundamentos físicos, biológicos, psicológicos necessários à formação da pessoa. As condições em que se dão os primeiros anos da criança são determinantes para um crescimento saudável nas fases subsequentes da vida.

Na perspectiva histórica, assim como no cenário atual, percebe-se que à criança não lhe foram asseguradas as garantias das condições necessárias. Uma realidade que continua presente, de modo particular nos territórios periféricos globais, a exemplo do mundo africano subsaariano, dos povos latino-americanos.

No Brasil, embora seja uma realidade nacional, a situação de carência das garantias e direitos mínimos da criança a um desenvolvimento e crescimento com dignidade se encontra mais acentuada nos bolsões periféricos do meio urbanos e, com mais intensidades nas regiões nordeste e norte.

Embora haja um conjunto de garantias, asseguradas pelas normas internacionais, assim como pela ordem jurídica nacional, constata-se que ainda há baixa efetividade a prevenção; contudo a repressão às condutas ganham maior aplicação, resultando, assim, no encarceramento de crianças, adolescentes e jovens, com maior incidência na população periférica e em situação de pobreza, sendo utilizadas políticas de segurança públicas para esta prática de segregação da população infantil pobre recolhendo as crianças no sistema prisional em nome da ressocialização. Uma situação que urge que seja superada com a implementação de políticas públicas de prevenção no sentido de garantir e assegurar os direitos de proteção à criança como condição indispensável a uma existência com dignidade.

6. REFERÊNCIAS

BEZERRA, Juliana. Trabalho infantil no Brasil. Disponível em <https://www.todamateria.com.br/trabalho-infantil-no-brasil/>. Acesso em 06 Jun. 2023.

BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 09 Jun. 2023.

BRASIL (1990). Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 09 Jun. 2023.

CONSULTOR JURÍDICO. Há mais de 22 mil presos no Brasil, aponta CNJ. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-nov-12/22-mil-menores-presos-brasil-aponta-cnj>. Publicação de 12/11/2018. Acesso em 11 Jun. 2023.

FUNDAÇÃO ABINQ (2021). Trabalho infantil ainda é realidade para 1,7 milhão de crianças no Brasil. Disponível em <https://www.fadc.org.br/noticias/trabalho-infantil-ainda-e-realidade-para-17-milhao-de-criancas-e-adolescentes-no-brasil>. Publicação de 03/06/2023. Acesso em 08 Jun. 2023.

LANÇANOVA, Gisele Colin. Trabalho infantil no Brasil atual. Disponível em <https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/sociologia/trabalho-infantil-no-brasil-atual.htm>. Acesso em 08 Jun. 2023.

OIT, BRASÍLIA. Normas Internacionais da OIT sobre trabalho infantil. Disponível em <https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_565224/lang--pt/index.htm>. Acesso em 09 Jun. 2023.

OIT, BRASÍLIA. C182 – Convenção sobre proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação. Disponível em <https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-infantil/WCMS_236696/lang--pt/index.htm>. Acesso em 09 Jun. 2023.

PROFÍRIO, Francisco. Trabalho infantil. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/trabalho-infantil.htm>. Acesso em 06 Jun. 2023.

WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Trabalho infantil. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalho_infantil>. Acesso em 06 Jun. 2023.

[1] Manoel Cipriano Oliveira é Mestre em Educação, com Bacharelado e Especialização em Direito, Bacharelado e Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Professor Universitário aposentado, foi Defensor Público em Minas Gerais e Servidor do Tribunal Regional da Primeira Região – TRF1. Autor de obras didáticas, poéticas e romances, dentre as quais Noções básicas de filosofia do direito: Iglu Editora, 2001 e Vida de retirante: do arame farpado à favela, a trajetória de uma família, 2001. Jogador de futebol: você já sonhou ser um: Autografia,201; e Amor e existência, um canto à vida, Mepe, 2021. [2] PROFIRO, trabalho infantil. [3] PROFIRO, trabalho infantil. [4]PROFIRO, trabalho infantil. [5] BEZERRA, trabalho infantil no Brasil. [6] FUNDAÇÃO ABINQ (2021). [7] OIT, BRASÍLIA. C182. [8] OIT, BRASÍLIA. [9] BRASIL, 1988, art. 227, caput. [10] BRASIL, 1990, art. 3º e Parágrafo único. [11] CONSULTOR JURÍDICO, 2018.

 
 
 

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