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PONTO E CONTRAPONTO: DIALÉTICA ENTRE O GOVERNO QUE SAI E O GOVERNO QUE ENTRA

Manoel Cipriano Oliveira

13/01/2023


SUMÁRIO: 1. Palavras iniciais. 2. Delimitação do tema. 3. Perspectiva do projeto progressista no âmbito da redemocratização. 4. Perspectiva do projeto conservador no âmbito da redemocratização. 5. Considerações. 6. Referências.


1. PALAVRAS INICIAIS


A eleição e posse do Novo Governo Lula sinaliza para a retomada do protagonismo do campo progressista sobre o campo conservador que culminou com a chegada ao poder pela ultra direita; o que suscita uma leitura do governo que sai das urnas, passando pelo ponto e contraponto entre um projeto de cunho conservador, por um lado e, por outro lado, o projeto com viés progressista em curso na sociedade brasileira no âmbito da redemocratização. Uma reflexão a ser feita com uma delimitação como corte pedagógico; com a caracterização de um e outro projeto; e abre-se para continuidade do debate, tecendo algumas considerações como sinalização do horizonte para o qual tende o caminhar da Gestão Política Brasileira, a partir do Governo Federal.

2. DELIMITAÇÃO DO TEMA


A reorganização política nacional, estabelecida a partir do final dos anos 70 e início da década de 80 do século passado, reflete o movimento de superação do regime militar então vigente, assim como põe em curso o processo de redemocratização na sociedade brasileira.

Decorrência da redemocratização, o pluralismo político dá vazão aos movimentos sociais de luta pela terra, de luta por moradia, de luta por igualdade de direitos entre os gêneros e por direitos trabalhistas. O que se articula inicialmente, a partir de organizações populares, a exemplo das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Comissão Pastoral da Terras (CPT), Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Articulação dos Povos Indígenas no Brasil (APIB); da reorganização do Movimento Sindical e Movimento Estudantil, dentre outros, tendo como resultado a elevação dos direitos individuais e coletivos à categoria de garantias constitucionais no final dos anos 80.

A articulação das lutas por direitos, individuais, coletivos e sociais levou à diversidade na participação na política institucional, o que impulsionou o pluralismo partidário, saindo do sistema bipartidário vigente no regime militar, chegando a mais de trinta partidos formalmente constituídos, assim como ao surgimento das federações partidárias, estas últimas se apresentando como instrumento participativo introduzido e experimentado nas eleições gerais de 2022. Esse conjunto partidário vem se acomodando e, por vezes, juntando-se aqui e ali nas unidades municipais, estaduais e em nível nacional, dando lastro ao xadrez do universo eleitoral, na forma de incorporação ou fusão, assim como mediante coligações em momentos de eleições.

Percebe-se, então, que, considerando-se a transição entre o regime militar para retomada da democracia, a caminhada de organização individual e coletiva da sociedade brasileira se caracteriza por um movimento que ora restringe os direitos constitucionalmente assegurados e ora amplia estas garantias, numa dialética entre o projeto conservador e o projeto progressista em curso no exercício do poder público a partir do Governo Federal; o que permite entender a dinâmica em que um e outro projeto político vem se articulando ao longo deste período.


3. PERSPECTIVA DO PROJETO PROGRESSISTA NO ÂMBITO DA REDEMOCRATIZAÇÃO


O regime militar, instaurado na primeira metade dos anos 60 do século XX, não teve o condão de extirpar o movimento democrático que vinha se delineando no curso do período anterior, a partir dos anos 40. Os anos 78 foram o terreno em que a pressão das massas nas ruas e praças fez retroceder o curso do regime totalitário e impulsionou a abertura para o regime democrático na sociedade brasileira.

Nasce, assim, novos partidos, os quais se reorganizam como agremiações políticas e espaços em que se busca ocupar a institucionalidade, a exemplo do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) que passam a disputar o protagonismo do campo progressista, a partir do acesso ao Poder Central no Estado Brasileiro.

Este processo resultou na gestão do Governo Federal pelo Partido da Social Democracia (PSDB) no período de 1995 a 2003, com Fernando Henrique Cardoso à frente da Presidência da República por dois mandatos consecutivos. O Partido dos Trabalhadores (PT), por sua vez, chega ao poder central em 2003 e permanece até 2014, tendo Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 a 2010 e Dilma Vana Rousseff, no intervalo de janeiro de 2011 a agosto de 2016.[1] Retorna ao poder com Luiz Inácio da Silva – o Lula, em janeiro de 2023 recolocando o Partido dos Trabalhadores no comando do Governo Federal.


4. PERSPECTIVA DO PROJETO CONSERVADOR NO ÂMBITO DA REDEMOCRATIZAÇÃO


Não restam dúvidas de que a história brasileira desde os primórdios, quando da chegada dos colonizadores, tem sido relatada a partir do protagonismo de um projeto conservador, cujos pilares legitimam a concentração da propriedade da terra, a família tradicional e um “Deus eurocêntrico” que implementa a intolerância religiosa.

Contudo, para efeitos do corte para a leitura ora feita, seguindo a tradição histórica, o projeto conservador, embora destituído do poder com a transição do regime militar para a redemocratização, continuou sua marcha, preservando, de certa maneira, seu status. Neste sentido segue seu curso se organizando em instituições que fortalecem a preservação dos seus interesses, a exemplo da articulação na União Democrática Ruralista (UDR) no campo e de organizações que expressam de forma silenciosa e por forças ocultas, assim como na integração às instituições religiosas e políticas. Vem ocupando as Câmaras Municipais, as Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional, assim como as Prefeituras, as Governadorias e com influência direta nos governos centrais, ainda que estes sejam do campo progressista.

No âmbito do pluralismo partidário, resultante da redemocratização, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), que deu sustentação direta ao regime militar, passa a ser a base da qual surgem o Partido da Frente Liberal (PFL), assim como o Partido Democrático Socialista (PDS). Outros partidos vão surgindo ou se reorganizando para acomodar as representações do Campo Conservador no âmbito da política institucional, a exemplo do Partido dos Trabalhadores Brasileiros (PTB), do Partido Progressista (PP), do Democrata (DEM), do Partido Liberal (PL) e, mais recente, do União Brasil, resultado da fusão o Partido Democrata (DEM) com o Partido Social Liberal (PSL).

Via de regra, os partidos políticos do campo conservador se organizam em vista dos fisiologismo político, compondo a base do poder executivo no âmbito dos governos das unidades federativas, sejam municipais, estaduais, distrital ou federal. Neste sentido, consolidou-se, de forma coletiva na organização do assim denominado “Centrão” em âmbito do Congresso Nacional.

Este campo esteve à frente do Governo Central com José Ribamar Ferreira de Araújo Costa – José Sarney - no período de 15 de março de 1985 a 15 de março de 1990, na transição do regime militar para a redemocratização; com Fernando Afonso Collor de Mello, entre 15 de março de 1990 e 31 de dezembro de 1992; com Itamar Augusto Cautiero Franco – Itamar Franco, entre 29 de dezembro de 1992 a 01 de janeiro de 1995; Michel Temer, de 31 de agosto de 2016 a 01 de janeiro de 2019; e Jair Messias Bolsonaro, entre 01 de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2023.

Além da participação em governos de direita ou centro direita, o campo conservador esteve na base dos governos do Partido da Democracia Social Brasileira (PSDB), com Fernando Henrique Cardoso na Presidência; participou dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva, assim como no governo de Dilma Rousseff; compôs e integrou a base do governo de Jair Bolsonaro; e, seguindo esta linha, encontra-se na estrutura do Novo Governo Lula que, aliás, para superar o ultra direita no poder central, teve que se articular numa Frente Ampla, tendo como Vice-Presidente Geraldo Alkmin, com o qual disputara seja em âmbito nacional ou estadual ao longo da redemocratização brasileira em curso.

Observa-se que, no cenário da história recente, o campo conservador representa a continuidade do projeto político presente desde os primórdios da sociedade brasileira, estabelecida a partir da chegada dos portugueses no território nacional. Contudo, com a redemocratização, este projeto se faz presente, integrando espaços sociais, religiosos e culturais, assim como se inserindo institucionalidade política a partir dos legislativos e dos poderes executivos municipais, estaduais, distrital e federal.

O campo progressista, por sua vez, vem de uma articulação para a conquista de direitos individuais, coletivos e sociais, assim como na resistência e organização em movimentos sociais pela integração às organizações partidárias de esquerda e centro esquerda; o que tem levado à ocupação dos espaços institucionais no sentido de implementar seu projeto a partir da realização de políticas públicas. Isto permite tecer algumas ponderações sobre o que diferencia o governo que inicia e o governo que sai, enquanto representações destes campos políticos.


5. CONSIDERAÇÕES


Percebe-se, então, que a redemocratização estabelecida a partir do final dos anos setenta e início dos anos noventa do século passado se constitui como um processo dialético entre dois projetos econômicos políticos distintos, um representado pelo campo conservador que se articula no âmbito da direita e o outro expressando campo progressista numa articulação de esquerda.

No curso deste período o projeto de direita, não superado com o advento da redemocratização, mantem-se alicerçado no suporte econômico, social e cultural das classes que representa, a exemplo do grande latifúndio, de parte predominante do empresariado, do sistema financeiro, de organizações religiosas, assim como de boa parte integrantes da arte, da cultura e da mídia falada, escrita, televisiva e virtual.

Isto possibilita a ocupação da política a partir da inserção partidária, com presença hegemônica em órgãos de poder, de modo particular dos poderes legislativos municipais, estaduais e federal. Mantém-se presente na condução do poder, de maneira considerável no âmbito municipal, em particular no interior do país. Além do que, quando não se encontra ocupando diretamente o poder executivo, articula-se a partir do legislativo, mantendo-se na base de sustentação dos gestores do campo progressista, assegurando, assim, a participação nas gestões públicas em secretarias municipais, secretarias estaduais e, no âmbito federal, na gestão de Ministérios.

O campo progressista, por sua vez, dando continuidade ao movimento de organização individual e coletivo na luta por direitos, ainda no âmbito do regime militar, amplia sua organização em movimentos sociais, sindicais, culturais; articula-se na diversidade de lutas, a exemplo da luta por terra para plantar, casa para morar, assim como na luta pela igualdade de direitos entre os gêneros; e organiza-se a partir dos partidos de esquerda como espaço de articulação política.

O protagonismo deste campo tem sua singularidade no Partido dos Trabalhadores (PT), no entorno do qual ou com o qual vem conquistando espaço nos legislativos municipais, estaduais e no legislativo federal. Neste sentido ascendeu às prefeituras, às governadorias estaduais e chegou à Presidência da República.

Neste momento, encontra-se no início de um novo ciclo à frente do Governo Federal, numa articulação ampla no entorno de Luiz Inácio da Silva – o Lula – que se consolidou como figura pública singular do campo progressista, tendo se articulado em uma Frente Partidária, uma aglutinação que vai da esquerda radical à direita e que se fez integrar, desde o primeiro dia das eleições gerais de 2022, assim como com o reforço que veio no segundo turno e durante as articulações da transição, tudo com o fito de possibilitar a governabilidade, além de garantir a implementação do programa saído vitorioso das urnas.

Por ser uma proposta coletiva, a possibilidade de espaço político da diversidade com a participação das mulheres, povos originários, negritude, menos favorecidos e excluídos, o campo progressista reassume o protagonismo necessário à articulação coletiva para superar o campo conservador, representado pela ultradireita que, embora a ala extremista tenha sido desbancada do Poder Executivo Federal, saiu fortalecida das urnas no âmbito legislativo e segue em processo de ocupação das ruas, presente nos parlamentos, nas redes sociais e fomentando ações contra o resultado eleitoral, assim como contra as instituições políticas, numa metodologia truculenta descambando para a violência, de modo que, desta maneira, o campo progressista, neste retorno à Presidência da República, terá que se articular para obter e manter apoio à implementação do seu projeto no curso do novo ciclo que se inicia no âmbito da redemocratização política em curso na sociedade brasileira.


6. REFERÊNCIAS


AGÊNCIA BRASIL. Últimas notícias sobre atos antidemocráticos. Disponível em <https://agenciabrasil.ebc.com.br/tags/atos-antidemocraticos>. Acesso em 11 jan. 2023.


ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (APIB). Quem somos. Disponível em <https://apiboficial.org/sobre/>. Acesso em 06 jan. 2023.


BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 jan. 2023.


COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT). Histórico. Disponível em <https://www.cptnacional.org.br/sobre-nos/historico>. Acesso em 06 jan. 2023.


CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI). O Cimi. Disponível em <https://cimi.org.br/o-cimi/>. Acesso em 06 jan. 2023.


ESTADÃO. O lugar da direita civilizada. Disponível em <https://www.estadao.com.br/opiniao/o-lugar-da-direita-civilizada/>. Acesso em 11 jan. 2023.


FREI BETO. O que é comunidade eclesial de base. São Paulo: Brasiliense, 1981.


FORNAZIER, Aldo. A democracia na encruzilhada. Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-democracia-na-encruzilhada/>. Acesso em 11 jan. 2023.


MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA (MST). Nossa história. Disponível em <https://mst.org.br/nossa-historia/inicio/>. Acesso em 06 jan. 2023.


TERRA NOTÍCIAS. A extrema direita no Brasil não é só Bolsonarista. Disponível em <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/a-extrema-direita-no-brasil-nao-e-so-o-bolsonarismo,0e739a5d6ad2dbf66f8f962cd512bccemloenx2u.html>. Acesso em 11 jan. 2023.


TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - TSE (2022). Partidos políticos registrados no TSE. Disponível em <https://www.tse.jus.br/partidos/partidos-registrados-no-tse/registrados-no-tse>. Acesso em 12 jan. 2023.


TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - TSE (2022). Federações partidárias registradas no TSE. Disponível em <https://www.tse.jus.br/partidos/federacoes-registradas-no-tse/federacoes-partidarias-registradas-no-tse>. Acesso em 12 jan. 2023.


WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Dilma Rousseff. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Dilma_Rousseff>. Acesso em 04 jan. 2023.


WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Fernando Collor. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Collor>. Acesso em 04 jan. 2023.


WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Itamar Franco. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Itamar_Franco>. Acesso em 04 jan. 2023.


WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Partido da Social Democracia. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_da_Social_Democracia_Brasileira>. Acesso em 04 jan. 2023.


WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. União Brasil. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Uni%C3%A3o_Brasil>. Acesso em 04 jan. 2023.


NOTAS

[1] Na verdade, Dilma Rousseff exerceu o cargo somente até 12/05/2016, quando se afastou em vista da instauração do processo de impedimento, embora tenha sido reeleita para até 31 de dezembro de 2018.

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