top of page
Buscar
manoelciprianooliv

RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS: AIDENTIDADE ESPIRITUAL DO SER NEGRO EM PERSPECTIVA

.Manoel Cipriano Oliveira[1]

10/02/2023

SUMÁRIO: 1. Delimitação do tema. 2 Conceituação e diversidade mítica das religiões afro-brasileiras no âmbito da territorialidade. 3. Fundamentação teológica. 4. Lugar das religiões afros no âmbito da população brasileira. 5. Considerações. 6. Referências.


1. DELIMITAÇÃO DO TEMA


A menção às religiões afro-brasileiras remete, necessariamente, à resistência cultural e espiritual de negras e negros retirados do solo africano e trazidos para o território brasileiro para aqui serem explorados no corpo e na alma na forma de trabalho escravo, sendo tratado como uma coisa entre as coisas. Uma resistência que, para além do período escravocrata oficial, teima em continuar sendo a manifestação religiosa de pretas e pretos atualmente.

No sentido de compreender um pouco deste universo, a presente reflexão parte de uma breve conceituação e diversidade das religiões afro-brasileiras; passa pelos fundamentos e pela diversidade deste universo religioso; pela ausência do protagonismo de afros-descendentes e o protagonismo branco na representatividade destas religiões; e tece algumas considerações como contribuição para a continuidade do debate.


2 CONCEITUAÇÃO E DIVERSIDADE MÍTICA DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS NO ÂMBITO DA TERRITORIALIDADE


Por religiões afro-brasileiras entende-se o conjuntos das crenças nascidas e constituídas a partir da diversidade cultural vinda com pretas e pretos aportados no solo brasileiro no curso do processo de escravidão que se deu entre os século XVI até o final do século XIX, de forma oficial, e que continua com suas sequelas, de forma velada ou ostensiva, na sociedade brasileira atual, inclusive.

Estas religiões têm maior expressão e mais visibilidade na manifestação do Candomblé e da Umbanda, as quais se destacam como as principais ramificações das crenças afro-brasileiras. Contudo, há outras vertentes que as integram, expressando, assim, a diversidade religiosa de negras e negros trazidos para o país.

Neste sentido, encontra-se na base das religiões de matriz africana a origem em comum nas diversas etnias africanas, a exemplo da iorubá, também conhecidos como nagôs; a dos fons; a dos maís; a das auçás ou aúças; a dos eués; a dos axântis, a dos congos; a dos ambundos ou quimbundos; a dos umbundos; a dos macuas; e a dos lundas, dentre outras.

Dessa forma e com base na territorialidade como critério de tradição, tem-se aquelas vindas do norte africano cujo panteão manifesta pela mitologia berbere. Vindos da região central africana, encontram-se as mitologias acãs, axante, fon, odinai dos ibos, efique, isoco e iorubá. A partir da região central africana, há as mitologias bushong, bambuti e lubara. Da região oriental vêm as mitologias akamba, dinca, lotuko e masai. E do sul-africano, por sua vez, há as mitologias khoikhoi, lozi, tumbuka e zulu.

No Brasil, os bantos, vindos de Angola e da República do Congo, encontram-se presentes, com maior concentração no Rio de Janeiro. Para além da fundamentação da fé via candomblé e umbanda, a cultura banta influencia as manifestações culturais como os jogos de dança, a capoeira, o bumba-meu-boi e o samba, dentre outras expressões populares. Os iorubás e jejes, vindo da Costa da Mina, de modo particular a partir da Nigéria, encontram-se no presente nordeste brasileiro numa manifestação dos candomblés baianos, a exemplo do queto e o jeje, dentre outras vertentes.


3. FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA


As religiões tradicionais possuem fundamentação teológica diversa, uma vez que são crenças plurais na forma como se expressam e em virtude do grupo social do qual se originam. Esta diversidade de manifestação da fé se traduz por meio de ensinamentos, práticas e rituais que buscam explicar o sentido do mundo, assim como do ser humano.

Via de regra, as religiões tradicionais africanas adotam a oralidade como forma de comunicação e de tradição dos seus ensinamentos, em vez de se expressar por meio de código escrito. As semelhanças e as origens comuns, assim como os deuses destas religiões, possibilitam classificá-las conforme o território africano em que se encontram mais presentes. Mas é importante frisar que a classificação a partir do critério territorial de origem ou protagonismo não significa que estas crenças não se encontrem presentes noutras áreas do continente africano, de modo que se trata tão somente de uma forma pedagógica de delimitar o território em que estas crenças aparecem de forma predominante.

Outrossim, faz-se necessário ressaltar que entre as religiões de matriz africanas algumas se fundamentam no monoteísmo e outras adotam o politeísmo. Neste universo de significados dos seres, os Orixás, entidades representadas por elementos naturais, são de duas categorias: as categoria dos ayabás ou orixás femininas e a dos aborós ou orixás masculinos, os quais possuem como função a de reprodução e educação humanas, cumprindo, assim, a determinação de Olodumare, ser de natureza suprema.

No universo dos orixás, alguns preexistiram e participaram da convivência no Orum ou céus. Outros, porém, conquistaram a natureza de orixá em decorrência de suas ações e dos seus feitos na Terra. Assim sendo, os fenômenos naturais, o cultivo da terra, a caça e outras atividades humanas são controladas e representadas pelos respectivos orixás.


4. LUGAR DAS RELIGIÕES AFROS NO ÂMBITO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA


Embora haja um contingente expressivo de pessoas afrodescendentes na composição da população brasileira, esta realidade não se reflete na declaração de fé para na escolha das religiões afros.

Há nas religiões afro-brasileiras uma estrutura cosmogônica, teosófica e teológica como base de explicação do universo, do ser humano, assim como fundamenta os preceitos morais, educacionais e políticos da realidade, a partir dos seres divinos, contando com a existência de ser soberano e desconhecido, à semelhança de outras religiões, como o cristianismo.

Em relação à realidade brasileira, as estatísticas sobre as religiões apontam que umbanda, candomblé, somadas a outras crenças de matriz africana representam cerca de 2% (dois por cento) da população[2]. Ainda segundo dados levantados, há a sinalização de que cerca de 54% (cinquenta e quatro por cento) da população brasileira é constituída por de negras e negros[3]. Outro aspecto a ser considerado é o de que, os brancos representam cerca de 60% (sessenta por cento) entre os adeptos destas religiões em algumas partes do território brasileiro, a exemplo de São Paulo[4].

Estas constatações levam, contudo, a inferir que negras e negros se encontram em minoria entre os praticantes e adeptos das religiões afro-brasileiras. Uma situação instigante e, quem sabe, esta realidade decorra da maneira como estas religiões, foram tratadas pela sociedade brasileira, assim como pelo tratamento jurídico dado pelo poder público e suas práticas de perseguição e incriminação das manifestações da cultura popular de origem afro, afugentando, assim, negras e negros da assunção da identidade do ser preto ao longo da história e atualmente[5].


5. CONSIDERAÇÕES


Observa-se que as religiões afro-brasileiras são assim conceituadas, em vista da origem vinculada à vinda de negras e negros para serem escravizados no território brasileiro e expressam a sobrevivência da fé como forma de resistência.

Ainda em vista da origem territorial diversa, há uma pluralidade de crenças afro-brasileiras, as quais podem ser classificadas com base na semelhança e no fundamento comum, seja em referência ao continente africano, assim como ao território brasileiro.

Embora negras e negros sejam a maior parte da população brasileira, os dados demonstram que brancas e brancos representam a maioria dos adeptos das religiões afros; o que reflete a maneira como negras e negros tiveram que lidar com a forma de tratamento dado a estas religiões pela sociedade brasileira, além do modo como o poder público tratou estas crenças, chegando a tipificar como ilícito penal a manifestação da fé praticada por mulheres e homens escravizados. O que abre, com isso, a continuidade do debate no sentido de um diálogo para compreender esta correlação.

Percebe-se que, para além da manifestação e fundamentação da fé, os valores afrodescendentes continuam sendo a base do ser negro por meio da capoeira, do carnaval, bem como pela religiosidade popular presentes no sincretismo e no ecletismo expresso pelos orixás e divindades religiosas, numa maneira de firmar o ser preta e preto, negras e negros, tendo nas religiões afro-brasileiras a forma singular permanente de resistência.


6. REFERÊNCIAS

BALLOUSSIER, Anna Virginia e LUIZ, Gustavo. Brancos ocupam cada vez mais os terreiros de candomblé e umbanda. Disponível em <https://amazonasatual.com.br/brancos-ocupam-cada-vez-mais-os-terreiros-de-candomble-e-umbanda/> Publicação de 22/11/2022. Acesso em 07 fev. 2023; Amazonas Atual, 2022.

G1, Política. 50% dos brasileiros são católicos, 31% evangélicos e 10% não têm religião, diz Datafolha. Disponível em <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml>. Publicação de 13/01/2020. Acesso em 07 fev. 2023.

PRUDENTE, Eunice (2020). Dados do IBGE mostram que 54% da população brasileira é negra. Disponível em <https://jornal.usp.br/radio-usp/dados-do-ibge-mostram-que-54-da-populacao-brasileira-e-negra/>. Publicação de 31/10/2020. Acesso em 07 fev. 2023.

RESK, Felipe. Brancos são mais de 60% dos adeptos das religiões afro-brasileiras em SP. Disponível em <https://www.estadao.com.br/sao-paulo/brancos-sao-maioria-nas-religioes-afro-brasileira-diz-estudo/>. Publicação Estadão em 23/12/2016. Acesso em 07 fev. 2023.

WIKIPÉDIA, a Enciclopédia Livre. Religiões afro-brasileiras. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%B5es_afro-brasileiras>. Acesso em 03 fev. 2023.

WIKIPÉDIA, a Enciclopédia Livre. Religiões tradicionais africanas. Disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%B5es_tradicionais_africanas>. Acesso em 03 fev. 2023.


[1] Manoel Cipriano Oliveira é Mestre em Educação, com Bacharelado e Especialização em Direito, Bacharelado e Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Professor Universitário aposentado, foi Defensor Público em Minas Gerais e Servidor do Tribunal Regional da Primeira Região – TRF1. Autor de obras didáticas, poéticas e romances, dentre as quais Noções básicas de filosofia do direito: Iglu Editora, 2001; e Vida de retirante: do arame farpado à favela, a trajetória de uma família, 2014; Jogador de futebol: você já sonhou ser um: Autografia,201; e Amor e existência, um canto à vida, Mepe, 2021. [2] G1 (2020) [3] PRUDENTE, 2020. [4] RESK, 2016. [5] BALLOUSSIER, 2022.

14 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page